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A primeira vez que pisei nas planícies de Gaucho and the Grassland, a trilha parecia sussurrar versos de “In My Time of Dying” do Led Zeppelin. Um lamento suave, quase espiritual, que ecoa entre a terra, os animais e a presença fantasmagórica de um pai que guia, e não assombra. Desenvolvido pela brasileira Epopeia Games, o jogo chega como uma carta de amor à cultura sul-americana, mas também como um poema melancólico sobre herança, responsabilidade e amadurecimento. Tudo isso, embalado por mecânicas simples e uma atmosfera que mais abraça do que desafia.

É um farming game, sim — mas não é sobre plantar milho e vender batata. Aqui, cada ação é um gesto de cuidado, e cada missão, uma retribuição à terra que nos sustenta.


Os Ecos Culturais de Uma Lenda Viva

O jogo abre com a aparição serena do pai do protagonista — um espírito que retorna não para assustar, mas para inspirar. Esse reencontro com o passado dá o tom do jogo: acolhedor, espiritual, e profundamente enraizado no folclore latino-americano. A figura do Boitatá, serpente de fogo que protege e observa, aparece como símbolo da terra desequilibrada — e você, como novo ou nova gaúcho(a), é quem precisa restaurar essa conexão sagrada.

Não se trata de “salvar o mundo” num sentido épico. Trata-se de escutar. De entender. De devolver o que foi perdido.

A vibe lembra as estrofes que dizem:

“Ó meu Jesus, ó meu Senhor / Não vai me ouvir quando eu chamar?”
(“Oh my Jesus, oh my Lord / Oh, won’t you hear me when I call”)

No game, esse chamado é da terra. E o seu papel é ouvir — e responder, fazendo o que for preciso pra reequilibrar cada canto do mapa.

Capturas de imagem da gameplay do jogo

Lida, Lasso e Laços: Jogabilidade de Propósito

Laço na mão, cavalo sob os pés e um cachorro parceiro que nem sempre colabora: Gaucho and the Grassland te joga num ciclo de vida simples, mas cheia de sentido. Ao contrário dos farming sims convencionais, não há uma economia baseada em moedas. O jogo gira em torno de trocas, ajuda mútua e presença.

Capturas de imagem da gameplay do jogo

Você desbloqueia áreas ao completar tarefas que parecem triviais — levar leite, plantar erva-mate, ajudar vizinhos. Mas a beleza está exatamente nessa simplicidade. Cada nova região é um pedaço de quebra-cabeça com desafios ambientais e criaturas míticas.

Apesar disso, o jogo poderia guiar um pouco melhor após o tutorial. Perder tempo tentando achar um NPC que só reage quando você fala primeiro pode ser frustrante. Mas, honestamente? Até isso parece combinar com o ritmo contemplativo da obra.


Lendas Cantadas, Mitos Sentidos

Se existe uma alma nesse jogo, ela vibra entre as histórias e os silêncios. O Boitatá te observa. A terra te pede equilíbrio. E a jornada de cada região não é uma luta, é uma reconciliação. O labirinto místico no centro de cada mapa é onde você confronta a quebra da harmonia e, através de velas sagradas, liberta o espírito guardião.

Assim como o riff hipnótico de “In My Time of Dying”, as fases do jogo constroem uma tensão suave, espiritual, que explode em paz quando você restaura a terra. Não tem “boss fight”. Tem ritual.

E é aí que o jogo vira mais que um farming sim — ele vira ritual de passagem.

“Bem, se o meu Senhor quiser me levar / Deixe-me morrer fácil”
(“Well, if my Lord should come for me / Let me die easy”)

O protagonista não teme o fim — ele o honra. Aprende com ele. Integra o passado ao presente.

Capturas de imagem da gameplay do jogo

Estética de Madeira, Trilha de Alma

A parte visual é uma ode ao artesanal. Tudo tem textura de brinquedo entalhado — sem arestas, com curvas suaves que lembram esculturas de madeira ou argila. Personagens, árvores e construções carregam um design que combina perfeitamente com o enredo: um conto de fábula realista.

A trilha sonora é um espetáculo à parte. Mistura instrumentos regionais com peso cinematográfico, criando uma ambiência que muda conforme o estado da terra. Na névoa, a música é soturna e sussurrada. Com a paz restaurada, vira celebração — como se os Pampas cantassem junto com você.

E os figurinos? Um show de respeito. Chapéus largos, bombachas bordadas, e acessórios fiéis à tradição gauchesca. Nenhum exagero. Nada de caricatura. Só identidade vestida com amor.

Capturas de imagem da gameplay do jogo

Desvios e Retornos: Modos e Alternativas

Você pode até correr de cavalo, pescar ou explorar cavernas. Mas Gaucho and the Grassland não quer te entreter com variedade. Ele quer te conectar. Os modos paralelos são apenas extensões do mesmo propósito: cultivar laços.

Infelizmente, o cão Cusco é um tanto rebelde. Às vezes ignora comandos ou trava em objetos. E a performance cai um pouco ao galopar entre zonas. Mas são tropeços pequenos — notas fora do tom numa canção afinada.


Altos e Baixos: A Canção Crítica

🎶 Afinações Perfeitas:

  • Representação cultural respeitosa e imersiva
  • Trilha sonora de peso emocional e regional
  • Atmosfera visual artesanal e única
  • Gameplay sem pressa, que valoriza o gesto e o detalhe
  • Narrativa suave com base espiritual e afetiva

🎸 Notas Fora do Tom:

  • Falta de orientação clara após o tutorial
  • Cusco, o cachorro, buga bastante
  • Pequenas quedas de desempenho ao cavalgar ou trocar de zona
  • NPCs não sinalizados no mapa (perde-se tempo)

Nota Final e Justificativa

9.0 / 10
Gaucho and the Grassland é um daqueles jogos que tocam uma nota dentro da gente que nem sabíamos que existia. Ele não grita — ele canta. Ele não disputa atenção — ele oferece presença. Se você quer um game pra desacelerar, sentir e se reconectar com o que é essencial, esse aqui é pura alma de pampas com coração de Zeppelin.


Sementes de Herança e Harmonia

Gaucho and the Grassland não é sobre pontuar ou vencer. É sobre sentir e continuar. Um jogo que embala você como uma canção antiga — com notas de saudade, orgulho, e amor pela terra.

A palavra-chave aqui é presença. Você não corre contra o tempo. Você caminha com ele. Cada gesto é um rito. Cada missão, um reencontro com suas raízes.

A frase que ressoa até o fim:

“Deixe-me morrer fácil… / Deixe-me morrer limpo”
(“Let me die easy… / Let me die clean”)

No jogo, morrer fácil não é desistir — é aceitar o tempo das coisas, seguir em frente com sabedoria, e continuar o legado com calma, respeito e coragem.


Informações sobre a análise

Esta análise foi realizada com base na versão para PC via Steam, com gráficos otimizados entre 40/60fps.
A chave foi gentilmente cedida pela desenvolvedora.
Plataformas disponíveis: PC (Steam)


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